A DOR DE NOSSAS VEREDAS E O CORPO QUE ANDA
‘Ôh, sô’ Doutor Danilo Barbosa Rezende, não mate quem tanto já matou a sede de vários que aqui passaram e construíram suas histórias ao longo dos dias quentes e fervorosos do nosso cerrado! Dias estes, que o senhor e seu povo não passaram em nossa terra.
Vale ressaltar que o senhor também é de nossa terra, porém não deve saber o sabor e nem mesmo o valor de cada gota d’água de nossas veredas.
O Prefeito recém eleito do município de Três Marias, Dr. Danilo Barbosa Resende, manda Projeto de Lei para a Câmara Municipal para acabar com as Veredas e Nascentes do nosso Sertão das Gerais.
Prefeito, não deixe que o pequeno poder que lhe foi concedido suba à sua mente e a transforme em um viajante solitário do nosso sertão, pois nem mesmo seus tais companheiros às vezes irão junto à tropa, campear nos Gerais que ainda o “sô Doutor” não conhece.
Tais interesses em querer secar nossos oásis do cerrado para alavancar os negócios daqueles que já vem destruindo toda mata, flora e o cerrado de nossa região, para amanhã virarem papéis que talvez um dia pararão em sua mesa para assinar grandes projetos.
Será que seus filhos, que ainda estão caminhando para o conhecimento da vida, ficarão felizes em saber que seu pai foi o grande autor do extermínio das Veredas que são os oásis dos homens do campo? Pois, saiba que a mãe natureza é crucialmente forte e enigmática.
‘Ôh, sô’ Doutor tenho certeza que o senhor nunca cavalgou no lombo de um animal para correr os campos do nosso Grande Sertão e suas Veredas. Muito menos, parou em alguma delas para se esbaldar em suas águas geladinhas e com frescor da vida e o suor da caminhada de quem realmente conhece o quanto vale cada gota.
Muitos já se aventuraram por nossos caminhos, já passaram tropeiros, boiadas, caminhões e até mesmo um aeroporto foi criado no meio de nossa vida.
Mas, não se deixe levar pela vaidade do instante do poder que hoje faz com que sua caneta escreva novas páginas um capítulo na história de Três Marias. Não faça o desenho do meu corpo como se eu não existisse mais, como se minhas nascentes não corressem mais, pois onde houver um pé de Buriti ali estará um pouquinho de minha vida.
‘Sô’ Doutor em pouco tempo chegado no poder, já quer matar meu corpo?
Amigos vou lhes contar uma pequena história, que talvez o Sô Doutor não conheça sobre mim e minhas caminhadas.
Por esse mar de chão, às vezes de areia ou mesmo de muita poeira, já passou um homem chamado Guimarães Rosa. Ele, ainda moço, escreveu um pouco sobre mim porque se ele ficasse mais um ‘tiquim’, juntamente com seus amigos Miguilim e Rosário, debaixo da sombra dos Buritis, tomando um café e como um excelente escriba que foi, escreveria páginas e páginas a meu respeito para vocês.
Escrevendo e viajando por vários dias e até meses eles percorram muitas e muitas léguas, todos a cavalo, conhecendo o sol de Minas e suas Veredas, ressaltando o quanto elas amenizavam o calor de cada tropeiro que por aqui teve a honra de passar e levar suas boiadas.
Mas ‘sô’ Doutor, talvez o senhor ainda não teve oportunidade de fazer nenhuma cavalgada para saber o quanto sou importante por esse sertão de nosso Deus!
Tenho certeza de que quando o senhor vier a domar um animal e passear pelos campos se lembrará de mim e de minhas veredas que tanto sofrem com seus amigos gigantes e bonitos, os postes verdes e verdejantes, que contaminam os solos e tudo vem a cair sobre meu leito ou mesmo minhas lagoas margeando estradas ou mesmo dentro das fazendas dos coronéis.
Mas, ‘sô’ Doutor achei que iria fazer uma lei para me salvar e não para beneficiar seus amigos e eleitores nobres e de bons tratos!
Talvez o senhor não esteja sabendo, porque tomou posse a pouco, e logo teve que pensar em como retribuir os favores do mato ou mesmo das letras bonitas das empresas!
Olha ‘sô’ Doutor estou envergonhado por saber que sendo um homem letrado e de bons e finos modos, queira em ato covarde e de suma indelicadeza com nosso povo, já matar meu corpo que já vive por anos e anos cansado de germinar vida e levar sabores para onde houver vida.
Muitos de seus amigos vem pulverizando e calcificando o solo e assim de todas as maneiras ferindo meu corpo, com tanto veneno para aquelas plantas de cinco ou mesmo seis metros de altura, para ficarem verdinhas, precisam de minha fonte, e hoje já querem sessar meu fôlego?
Não estou me aguentando com tanto veneno que há anos vem sendo aplicados nas imensas fazendas de plantações e, num piscar de olhos o ‘sô’ Doutor Danilo Barbosa Rezende queira apagar meu corpo do mapa do Sertão.
Vou te recomendar um livro que talvez ainda não teve a honra ou prazer de ler, chamado Grande Sertões Veredas. Assim saberás o tamanho da minha luta por sobreviver nesses anos de glória e de dor.
‘Ôh, sô’ Doutor Danilo Barbosa Rezende, me ajude! Pelo menos deixe-me viver, se não for capaz de me salvar!
Um dia vou me encontrar com meu amigo e irmão Rio São Francisco que também vem sofrendo por anos, sendo envenenado, desviado, sangrando por quilômetros e mesmo assim ainda leva vidas e vidas ao encontro com nosso outro amigo Mar, de águas cristalinas e fervorosas.
Tão logo meu folego estará pouco, mas no meu corpo ainda há vida. Os nossos Buritis ainda refletem em minhas águas. Queria eu ser mais pura, para poder lhe servir melhor, ‘sô’ Doutor.
Soube que na casa do povo agora tem novos vereadores e uma vereadora entusiasta e que também é doutora em outra área de defender, será que posso contar com eles? Ou será que a vaidade e ego podem levá-los por um caminho onde muito em breve seus filhos não saberão que eu existi?
Temos na bancada diversos profissionais de caminhos diferentes, professor, motoristas e até um moço lá que mede terras, chamado de topógrafo. Gostaria que ele medisse o meu tamanho e dissesse a falta que posso fazer seu eu morrer, pois temos uma imensidão de terras cultivadas, mas todas precisam de uma fonte chamada água.
Eu sou a Vereda que ainda luta por conta própria, para gotejar e salvar uma vida, seja ela um copo de meu corpo ou mesmo uma foto de minha história viva.
Quero ter vida, quero voltar a ter sabor, sem interferência de seus amigos das letras bonitas, das imensas fazendas de madeira alta.
Faz por mim o que já fiz por muitos que de mim levou as fotos e sentiram minha força.
‘Sô’ Doutor Danilo Barbosa Resende, não deixe matarem meu corpo e nem mesmo minha videira.
Crie projetos que possam perpetuar sua história e não matar a minha história no meu sertão.
Sô Doutor me contaram que queriam ou querem colocar espelho d’água ou placas lá no corpo do meu irmão Rio São Francisco, no seu leito, não conheço esse processo mais os humanos estão desumanos com nossos corpos que somente alimentam e levam um grito por socorro.
Autor: Gilson Barbosa.
Data: 20 de janeiro de 2025.
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